O fotógrafo Washington Takeuchi é conhecido por captar imagens relativas à arquitetura da cidade de Curitiba. Sempre bem disposto a sair munido de sua máquina, pouca coisa escapa à curiosidade do fotógrafo que mapeia com seu olhar poético o centro e os bairros. Prédios, parques, ruas. Não importa quais sejam os espaços públicos ou privados, todos eles, se possível, são apresentados acompanhados de uma pitada de história.
A atenção de Washington em ligar as imagens aos acontecimentos históricos que as acompanham ou ao menos aos sentimentos a que elas se relacionam é parte dos motivos que o levaram a organizar em conjunto com a Editora Inverso o livro Saudade do Ninho, lançado recentemente.
A obra de 155 páginas traz uma coleção de casas de madeira “descobertas” em vários bairros de Curitiba e região. E dizer que essas casinhas foram “descobertas” tem a ver com o fato de que essas construções muitas vezes parecem estar escondidas na paisagem. O gesto de dedicar uma obra ao registro histórico dessas construções é também como olhar a cidade com uma lupa e nos apresentá-la por meio dessa lupa; pelas fotografias Washington expressa também aquilo que o seu próprio olhar vê: ninhos.
Em texto batizado com o mesmo título (Saudade do Ninho), o autor declara a importância das casas para a memória histórica de Curitiba, mas declara antes sua relação pessoal com essas casas, eis que sua infância no norte do Paraná foi vivida entre as “tábuas” de madeira a formar tanto as paredes quanto o chão encerado pelo qual as crianças deslizavam de meias.
A declarada ligação de afeto de Washington com o objeto escolhido foi o que permitiu a realização do livro. E não só porque garantiu a permanência do hábito de fotografar com específico interesse. É que além da história contada pelas imagens, o autor foi procurar saber junto a outras pessoas quais ideias suscitavam essas casas ou ao menos o gesto de registrá-las.
Tive a sorte e a felicidade de ser uma das pessoas escolhidas por ele para realizar o exercício de dizer alguma coisa a partir das palavras casa, madeira, saudade, ninho. E a partir de algumas fotografias. Ou seja, fui desafiada a tentar falar de um todo a partir de uma parte – desde o princípio e da provocação eu sabia que não recaía sobre mim o peso da tarefa impossível que seria escrever um texto que não fosse parcial sobre um tema tão delicado. Delicado: porque escrever sobre as casas de madeira de Curitiba é um tema frágil, amoroso e também espinhoso. Antes de mais porque escrever sobre qualquer casa talvez seja sempre algo frágil, amoroso e espinhoso.
O texto “De madeirames e concretudes” que escrevi para esse livro é um entre os oito que dividem espaço com as fotos. Também colaboraram com textos Livia Lakomy, Lu Berlese, Key Imaguire Junior, Radamés Manosso, Ingo Dittmar, Loretta Schunemann e Letícia Teixeira.
O convite de Washington a que nós, essas “pessoas de fora”, compuséssemos a obra em alguma medida simboliza a ideia do que pode, hoje, ser um ninho, entendido amplamente: espaços de refúgio, onde abrigar crias. Os textos que fazem parte do livro são “crias” de imagens-mãe responsáveis por fazer a provocação a que existissem. E as crias, bem, há um ponto em que elas também voam sozinhas. Assim, na mesma medida em que os textos dependeram das imagens para nascer, é certo que são um material que não depende delas para fazer sentido.
À parte isso, folhear Saudade do Ninho é aninhar-se em cada imagem, imaginar porta adentro. E enquanto folheamos sabemos que na realidade as casas de madeira que vemos podem já ter dado lugar a prédios ou outras construções; fim de contas, saber se as casas – a dos outros e as nossas – são presente ou passado é certeza impossível. Afirmar que a memória de uma casa resiste pelos mais diversos meios e que presente e passado misturam-se na paisagem da cidade (e dos nossos afetos) é, talvez, o que há de mais encantador no livro.
Impresso em tamanho de fácil manuseio e com um projeto gráfico que cuidou de detalhes como trazer à capa textura agradável, Saudade do Ninho é desses livros para termos na sala de casa, daquelas belezas que a gente vê junto com nossos convidados, como era costume fazer com álbuns de fotografia. E se os convidados forem forasteiros, ah, não tem problema: as imagens poderão falar por si e os textos contam com uma versão em inglês para os não-curitibanos nascidos, digamos, mais distantes desse ninho.

• Washington Takeuchi mora desde 1978 em Curitiba. Desde 2009 mantém o Circulando por Curitiba, projeto autoral dedicado a publicar fotografias da cidade. Saudade do Ninho é seu terceiro livro de fotografias.
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